Trabalhos de Ética!
Cadê você?
Segundo Walter Benjamin, ”a arte, no mundo contemporâneo, atrofiou sua aura na era da reprodutibilidade técnica..., Na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido.” Ou seja, o que antes tinha um valor de exclusividade passou a ser reproduzido, deixando de ser uma obra única, ou seja, original, passando a ser copiada, sem que suas características visuais se perdessem, daí a afirmação de que a aura, ou seja, seu valor essencial tenha se atrofiado. “Esses processos resultam num violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a renovação da humanidade”. O abalo da tradição, a crise, e a renovação da humanidade de que trata Walter Benjamin, se referem ao redimensionamento da arte pós revolução industrial, onde a criação da fotografia e do cinema obrigaram o homem a rever seus conceitos sobre a mesma.
A questão que pretendo levantar fala sobre a autenticidade de uma obra de arte, se ela pode ser substituída por algum meio de reprodução técnica e qual a importância da autenticidade no mundo contemporâneo.
Pensando no capítulo que fala sobre a autenticidade, proponho a criação de um objeto artístico que ilustre este pensamento, ou seja, que materialize o momento em que a reprodução ocupa seu lugar no mundo contemporâneo e deixe de existir como obra de arte “aurática”, passando a existir somente no mundo da reprodução.
A proposta de levar o público a pensar sobre este assunto aponta um caminho para discussão sobre a questão da reprodutibilidade técnica na medida em que ela desperta a curiosidade de saber como se deu o processo, Que destino levou a obra, E porque só se tornou “visível” somente através do vídeo. O processo de criação da obra de arte acontecerá ao vivo, ou seja, em público, com pessoas que testemunhem, parcialmente, o seu nascimento, transformação e desaparecimento. Para isto vou criar um espaço de atuação que será circundado por um tecido preto com pequenos orifícios ao redor do cilindro de tecido, dificultando, assim, o testemunho direto da criação da obra. Ao término, os orifícios serão cobertos e a obra será destruída, mas o público não será informado deste fato justamente para despertar a curiosidade.
A proposta é a criação, em barro, de uma figura feminina.
Durante o processo de criação, uma câmera de vídeo estará ligada registrando, passo a passo, cada momento do trabalho, Ao término, a câmera será testemunha direta, e o espectador testemunha parcial do surgimento da obra. Em seguida, a câmera será desligada e seu registro seguirá para edição. No mesmo instante o cilindro de tecido será retirado e o público só verá uma mesa com um pouco de barro amassado, com o título, “cadê você?” A estátua, que agora só existirá na restrita lembrança dos espectadores e em vídeo, que depois de editado, será continuamente exibido em várias televisões, onde cada uma mostrará trechos diferentes do momento da sua criação, é o meu objeto de “provocação” na medida em que ela desperta a curiosidade de saber como se deu o processo, que destino levou a obra e porque a reprodução tomou o lugar do original.
Mãos ao alto!
A necessidade de pensar em tudo como uma mercadoria a ser consumida, em produto a ser utilizado antevê a existência do técnico. A técnica que antes era “um meio para um fim”, passou a ser “um fim em si”. Com a vigência do técnico, a distância entre o próprio e o similar deixa de existir e tudo o que se produz é verdadeiro, mesmo sem a sua aura, sem o seu valor de “aqui e agora”, até porque essas são questões que já não importam mais, uma vez que a “produção” perdeu a sua “poieses”.
Assim, usarei um esvoto puro e simples em formato de mão e, ao lado colocar uma fotografia tirada desse mesmo esvoto em sua mesma posição. Os dois ficarão expostos um ao lado do outro. O título dessa obra refere-se ao “roubo” da veracidade, da originalidade, da presença dessa peça feita pela técnica.
Desse modo estarei discutindo a relação de original e cópia. Como dar valor de original a algo que saiu de uma forma onde outros vários iguais a ele também saíram? E a fotografia, seria uma cópia ou original daquela peça? No mundo técnico essas perguntas não fazem sentindo, pois o discurso do original e da cópia se misturam para que o fazer artístico subsista.
Em primeiro lugar a forma do esvoto remete ao fazer manual que acabou sendo substituído pelo fazer técnico, “liberando a mão de suas responsabilidades artísticas”.
E depois, a total falta de importância em saber a diferença entre o “original” e a “cópia”. Essa diferença seria a perca da aura, do valor da sua presença como obra de arte.
A técnica nos dá a imprensão de que estamos próximos da obra de arte, mas pelo o contrário ela nos afasta, pois não há como distinguir o que é “próprio” e o que é “similar”.
Figurino na TV
Ao ler o texto de Walter Benjamin fiquei tentada a fazer um paralelo entre o raciocínio do autor e o processo de criação, produção, utilização e reprodutibilidade do figurino para a televisão atual.
Pode se fazer um paralelo relacionando a criação do figurino- arte- personagens-cena. Ao criar um figurino trabalhamos primeiro a partir do texto de onde tiramos os personagens e suas características e circunstâncias. Partimos então para as representações iconográficas e desenhos. Até ai não temos ainda o figurino dado como completo. Em seguida temos o processo de execução (fabricação e composição) dessas idéias que foram apresentadas. Por que são idéias? No processo de criação de um figurino para o personagem a que se destina temos vários "blocos" de metamorfoses até o momento em que o figurino se transforme em figura/personagem em cena. Durante as provas de roupas vamos acrescentando e eliminando elementos para esta composição fazendo assim um movimento de perfectibilidade. No momento em que temos a interpretação cênica associada ao figurino obtemos a autenticidade deste como único e efêmero – "o aqui e agora". A partir daí temos a conclusão de todo o processo.
Por sua penetração como mídia e seu prestigio como divulgadora de idéias e comportamentos a televisão brasileira, podemos prever que este figurino será reproduzido inúmeras vezes com outros materiais e outras releituras estéticas. Neste momento deixamos de ter a autenticidade do figurino criado para a cena temos, assim, uma reprodução em que podemos contestar a sua originalidade. Ele o figurino expresso em uma roupa, por exemplo, o maiô da personagem Bebel - que foi pensado e utilizado para compor um personagem e passou a ser reproduzido sendo assim difundido em massa.
Vejo nesse tipo de reprodução técnica uma possibilidade de democratização estética. Desde que a reprodução preserve características daquilo que então chamaríamos de originais.
Estamos agora em uma sala de exposição onde está expostas figurinos da novela "paraíso tropical" temos vídeos, fotos e os figurinos em si. O mais curioso é perceber como a roupa perde a sua identidade ou a sua "verdade" ficando simplesmente exposta num manequim. Ali não temos mais o figurino que passa simultaneamente nos vídeos da exposição onde o visitante que não foi um espectador, que não viu o figurino em cena terá uma percepção diferente daquele que teve essa possibilidade de vê-lo de maneira completa – como objeto artístico integrado a uma obra.
Concluímos então que aquele figurino visto pela primeira vez na cena é o original e que tudo que aparecera após passa a ser a sua reprodução.
O que estou propondo é que o figurino seja percebido como objeto artístico indispensável à obra artística com possibilidade de reprodução livre pela audiência da TV socializada.
Bibliografia
Benjamin, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política – ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução Sérgio Paulo. São Paulo. Ed: Brasiliense, 1994 – (obras escolhidas; v 1).